“Tenho-me esforçado por não rir das ações humanas, por não deplorá-las nem odiá-las, mas por compreendê-las.”
Bento de Espinosa. Filosofo

"rapadura é doce mas, no entanto, não é soft and crispy"

Francisco Bruza Espinosa , Desbravador da Bahia
"Olá Leitores, Muitissimo Boa Noite, Tarde ou Manhã. Vamos dar inicio a nosso teatro de palavras, Motivados pelo nada e patrocinados pelo tudo, inclusive por sua Tia."

Tenham um bom voo

Lucas Et Cetera Proa


Magalomania é um transtorno psicológico no qual o doente tem ilusões de ser Sidney Magal, em carne e osso!

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

O mundo amarelo de Clara vermelha.

Este não é o mundo onde você vive. Este é outro mundo. Na verdade é o mesmo, só que diferente. Aqui todas as crendices foram abolidas, por decreto da União Global das Cidades. Aqui não tem países. Nem caramelos e balas, nem chicletes. Nem governantes, apenas um conselho de sábios, escolhidos por concurso. O Concurso da página amarela, é como chamam. Uma espécie de teste de QI, feito em folhas de papel amarelo reciclado. A partir desses resultados se é encaminhado ao trabalho que mais lhe seria apto. Não existe nenhum obrigabilidade quanto à que tipo de atividade econômica que o cidadão praticará, pode se fazer o que quiser. Nada lhe impede de fazer outra coisa, mas todos os homens desse mundo são racionais, e assim racionalmente escolhem o trabalho para que são escolhidos.

Pensavam assim:
Meu salário é proporcional ao meu trabalho.
Mas se sou apto para trabalhar em A, vou me esforçar menos.
E por isso ganharei mais relativamente ao meu esforço.

Todos eram assim. Pelo menos desde que Atenas dominou o mundo, espalhando o amarelo dourado da razão. Alexandre o Grande perdeu a guerra na península Ática. Vitoriosos, os atenienses ganharam força e foram expandindo seu modo de vida. A racionalidade ganhou ares de religião, diria, o leitor, se estivesse nesse mundo, apesar de religião ter sido banida por aqui. Nesse mundo religião é algo totalmente arcaico, igualmente a prática de balonismo- Não é racional voar de balões-. Nós só acreditamos em provas. Você se assustaria se conhecesse esse mundo assim como Clara se assustava todos os dias.

Clara não conhecia o sabor de um pirulito. Clara era apaixonada pela cor vermelha e pelo arco-íris. No entanto se nós conhecêssemos o mundo de vocês não nos assustaríamos, pois é visível que todas as mazelas que vocês criaram são conseqüências do sentimentalismo infantil. Vocês são piores que a boboca da Clara. Provas devem ser provadas no branco e preto, esse papo – esse discurso infundamentado- de seguir a voz do coração é nada mais que uma desculpazinha ética idiota para fazer idiotices. Aqui nesse mundo diferente não costumava a ter leis, pois homens racionais sabem agir de maneira idónea e correta sem a necessidade de um aparato opressor. Mas um homem chamado Rosseau provou que só se é livre quando somos governados pelas nossas próprias leis. Se estava provado e era racional, então os sábios começaram a fazer leis. Assim nós somos livres. Clara não era livre para amar.

Cada cidade se auto governava. Cada uma tinha a sua bandeira. Todas com formas geométricas, como definidas por Euclides. Clara gostava de rabiscar no seu caderno de física quântica. Vídeos aulas em 3D eram mais baratas e eficientes, pois amenizavam as probabilidades de um professor dar uma aula diferente da outra. Clara queria fazer poemas e queria beijar Antônio mas estava no meio de uma insólita e fria sala de aula projetada para 500 alunos. Ele era tão lindo. Mas ela era proibida de ter relacionamentos não-procriacionais. Existia uma fila de espera para poder ter um filho. Malthus provou que o boom populacional prejudicava a sociedade. Eram 3 da tarde, e Clara estava sentada na carteira fingindo ouvir o professor virtual. Ela estava maquinada, ela sentia, tinha sentimentos, e não se importava em saber porque. Nesse mundo depois da vacina pró racional, o homem deu mais um passo na escala evolutiva. O líquido amarelo era aplicado nas crianças logo ao nascer, fazendo com que os instintos diminuíssem em 92%. Foram preservados apenas os instintos indispensáveis. Isso não teve efeito em Clara pois ela ainda tinha o que vocês chamam de coração. No seu mundo; O centro das emoções. No nosso; Uma bomba de nutrientes e oxigênio para o corpo.

Clara tinha um plano para conquistar Antônio. Ela queria ele só para ela. Ela era egoísta.

Como narrador preciso dizer algo antes, para que vocês tenham uma visão ampla dos fatos: Suponho que os leitores devem estar, arrogantemente, julgando esse mundo-diferente de maneira errónea, pensando consigo- “que mundo infeliz”.- Pois saibam esse mundo é muito feliz, sim. A felicidade está no saber, e não na ignorância como muitos do seu mundo costumam dizer. Nós somos a antítese de todas as babaquices - macaquices- do planeta de vocês. Aqui não se tem sentimentos. Pelo menos não os grandes sentimentos. Temos apenas sensações contidas e equilibradas. Se o dia está nublada ou chuvoso, não é motivo para a nostalgia e para o mal humor. E não pensem que isso é ruim. Ruim é o modo seu modo de vida passional e isso é principalmente ruim para Clara que vive no nosso mundo mais é como se fosse do de vocês. Isso não é felicidade. Amar não é alegria , amar é sofrer como um babaca. E é esse sentimento, que vocês da terra julgam o mais nobre, que é o fruto de toda a desgraça de vocês. Mais uma coisa que é bom que seja explicada, Eu sou o Antônio. Eu fico observando essa menina irracional, ela disse que me ama mas eu nem sei o que ela quis dizer com isso.

Mas a vermelha da Clara tinha um plano para conquistar Antônio, e encher o mundo com a sua tolice de amor. Eu poderia contar para vocês o plano, mas sou incapaz disso pois não consigo entender o que rabiscos no caderno de física significam. Coisas como Corações e “bem-me-quer-mal-me-quer” e espalhar o pó de pirlimpimpim do amor em todas as pessoas e desenhos de sorrisos e um gatinho fofinho do tom e um poema sobre como o amor é bom. Isso era o que tinha no seu plano, era isso pois não tinha nenhuma causação lógica. Para mim seu plano eram rabiscos incoerentes e desprovidos de objetivo. Ela estava ansiosa para começar seu plano. Estava pronta para quando tocar o sinal do fim da aula e então começaria a espalhar o amor, começando por Tom. Ela sorria enquanto o professor falava sobre “quarks”. Sorria muito e estava feliz.

Um homem carrancudo e gordo se levanta da cadeira e vai de encontro a Clara- uma menina loira de 12 anos, com carinha angelical.-. O homem está vermelho de raiva e grita

-CORTA- Andando em direção a menina, que retribui com um olhar de medo e arrogância. No caminho ele tenta se controlar. Pensa em contar até 3 para diminuir sua Ira. “Ela é só uma criança, cuidado com o que falar. O executivo dele pode vir torrar seu saco depois” era o que ele pensava.

- Kate, você não pode sorrir assim, criatura! - Disse num tom entre o berro e grito.- Presta atenção! Você é uma menina que sente no meio de tantos insensíveis. Você nunca seria feliz. Ninguém te entende. E tem mais. Sentir nunca deixou ninguém mais feliz. Megasena deixa feliz.- Moderando a voz e tentando fazer com que a super-atriz-mirim entendesse.- Love will tear us apart. Capiche? - falou com sotaque hollywoodiano.- Vamos gravar de novo a cena, agora, sem sorriso. Certo princesa?- Com um sorriso irônico.

A atriz mirim fez cara de choro e o diretor se virou gesticulando para que o pessoal da produção fosse dar um jeito naquilo. Meia dezena de bajuladores correram para acalma-la e convence-la a refazer a cena da escola. Uma das ultimas cenas a serem filmadas. Habacuque Camparello, o diretor, ainda fazia o suspense total sobre o final do filme e a crítica já começava a criticar. Era de praxe. O que Clara faria para mudar o mundo racional? Esse era as capas das principais revistas de cinema. Que estão malconformadas com o fato de Habacuque não ter sequer escrito o roteiro dos últimos 20 minutos do longa metragem. O pessoal da imprensa cinematográfica achava aqui uma jogada de marketing barato.

Agora com a ultima cena gravada, todos estavam ansioso para saber como seria o final. O Granfinale. Habacuque dispensou todos e disse que o filme estava pronto, irritando bastante os infiltrados da industria da fofoca. Pego o rolo do filme, já editado, colocou em baixo do braço e saiu do estúdio de gravação sem responder a nenhum pergunta. O produtor ficou puto e sem poder fazer nada. O diretor tinha carta branca. Era o queridinho do chefão do estúdio. Não importa o que aquele cara fizesse venderia bastante, então deixavam que ele fizesse o que quisesse. Se quisesse.

Habacuque sabia como seria o final. “Não vou te contar o final, porque o final tem que vir do coração, senão esse texto não vai valer a pena”. Ele havia prometido para o irmão. Prometeu que contaria sua história, mas o irmão, Maleque, nunca lhe contará o final. Pois ele também nunca contaria o final que o público gostaria de ouvir. Habacuque olhava novamente o álbum de fotos, pensando em como seu irmão fazia falta. O maior erro que um morto pode cometer com os vivos é continuar vivo dentro dos corações. Maleque estava todos os dias com seu irmão. Maleque mudou a racionalidade do irmão, mudando toda a sua vida. Vivia da morte do irmão. A lágrima caiu molhando a foto antiga do irmão careca e pálido, vestindo um jaleco branco. Maleque estava na foto e na vida do diretor e faziam vinte anos já. Leucemia do irmão mais velho, seu ídolo pessoal. Eles brincando na gangorra. Seu irmão que movimentava o brinquedo, era maior e mais velho. Mais forte e mais inteligente.

Quando a leucemia chegou, sem avisar, nem mandar recado trouxe também o sentimentalismo, bobo, junto. Habacuque não gosta de chorar pelo passado, se sentia infantil. A maratona de hospitais acabou que juntou ainda mais os dois irmãos. Maleque animava Habacuque. Dizia que se fosse, estaria num lugar melhor. Mas o irmão mais novo odiava esses bobagens sobre morte. “Você não vai morrer, Irmão!”. Você não pode morrer, não suportaria sua falta, pensava. Dormiu muitas vezes no hospital esperando que no outro dia o médico dissesse. “Seu irmão está curado, é um milagre!”. Enquanto o milagre não vinha, seu irmão lhe contava muitas histórias, falando de como ficariam num filme. Explicava como a câmera passaria a emoção. Maleque era 10 anos mais velho e tinha acabado de terminar o curso de cinema. Era cheio de idéias, cheio de vida. Uma das histórias de era a história de Clara no País da Razão.

Maleque nunca contou o final da história. Dizia que se morresse gostaria de ver Habacuque fazendo esse filme. Mas não contava o final para o irmão porque o final só seria verdadeiro se viesse do coração de quem conta a história. E assim são as histórias mais belas, sejam aquelas que vem do coração do poeta apaixonado ou no lápis do romancista que olha o mundo como uma criança. Mas esse foi o pecado de Maleque, algemar o irmão ao passado.

Segurou o choro. Estava com um nó na garganta. Pegou o rolo do filme e esticou a película, juntando a ela uma outra. Na outra estava as cenas do filme caseiro. Eram os momentos dos dois irmão no hospital. Tiveram uma vida ali, por mais de um ano. Maleque sorria o tempo todo um sorriso amarelado e frágil. Era vulnerável, dando a impressão que se um vento o tocasse na sua pouca pele lhe quebraria os ossos. E assim enquanto o corpo se esvaziava da vida o sorriso mostrava a mais nua e crua alegria. Uma alegria incomodadora. E essa alegria seria o final do filme, pois era isso que estava no coração de Habacuque. Como o irmão pediu.

No vídeo caseiro o irmão contava a história de Clara e perguntava para Habacuque:
-Se eu morrer você me promete que contará a história de Clara?
-Não fala isso
-Promete?
-Seu eu prometer você para de falar essas bobagens? Então Prometo.

Era assim que Clara mudaria o mundo racional. Era assim o final do filme.

O diretor foi até o quintal da grandiosa casa, carregando uma caixa com coisas do irmão. Pegou um pá fez um buraco e guardou ali as lembranças do irmão. Terminado o pedido do irmão agora tentava também enterrar a sua presença. Habacuque pensava que amanhã levaria o filme ao produtor, e só então poderia viver SUA vida. Ele odiava cinema, porque o fazia lembrar. Pensou em que faria da vida. Deu um abraço no ar com um sorriso no rosto e disse.

-Adeus Maleque.

2 comentários:

Lucas EtCetera Proa disse...

Hamoniza bem com uma música do Bob Dylan de fundo. Esperimente.

Anônimo disse...

ahhh, nesse eu vejo de novo o Lucas dos primeiros textos q li, articulando palavras e conceitos de um modo mto próprio - intencionalmente complexo - entendendo quem entender/ou quem puder(!); profusão de ideias q às vezes, a princípio, parecem desconexas mas que no desenrolar do texto mostra uma habilidade em fazer a ligação, tecendo o sentido do que quer escrever, o q pra mim, tem sido a sua "assinatura".

p.s.: só q continuo pegando no pé!

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