“Tenho-me esforçado por não rir das ações humanas, por não deplorá-las nem odiá-las, mas por compreendê-las.”
Bento de Espinosa. Filosofo

"rapadura é doce mas, no entanto, não é soft and crispy"

Francisco Bruza Espinosa , Desbravador da Bahia
"Olá Leitores, Muitissimo Boa Noite, Tarde ou Manhã. Vamos dar inicio a nosso teatro de palavras, Motivados pelo nada e patrocinados pelo tudo, inclusive por sua Tia."

Tenham um bom voo

Lucas Et Cetera Proa


Magalomania é um transtorno psicológico no qual o doente tem ilusões de ser Sidney Magal, em carne e osso!

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Sobre Gatos e Ratos.

Festa de criança. Aquelas pestes corriam eufóricas, sem rumo. Corriam por correr. Corriam em círculos, corriam do palhaço, corriam atrás do palhaço. corriam para lá e para cá. Uma menina sobe as escadas correndo. Ela corre diferente, determinada. Será que ainda esta lá? Lembrou se da última vez que viu aquela cartola. Era preta, dura, muito bonita. Quando seu pai a mostrou não disse porque a tinha e nem porque a guardava num canto empoeirado, junto a quinquilharias e tranqueiras. Uma cartola tão bonita não deveria ficar largada ao tempo, esquecida. Ela subia os degraus com passos rápidos, num toque-toque incansável. Pulou na escada capenga que levava ao sótão. Em um rangido, abriu a portinhola. Parou por um segundo. Teve um pouco de receio, era um sótão escuro e hostil à primeira vista. Que monstros poderiam morar ali? Lúcia nunca esteve sozinha naquela parte da casa. Mas a menina era de uma curiosidade. Juntou fôlego, prendeu a respiração e entrou.

A iluminação é fraca, vinda da pequena clarabóia. Na penumbra tomavam forma seres de outro mundo. Dinossauros, marcianos e cientistas malucos. Lúcia tentava se concentrar. Com 10 anos não se deve ficar como medo dessas bobeiras, pelo menos era o que seu pai falava. E também já fazia alguns meses que não dormia mais de luz acesa. Desviando, só por precaução, daquelas sombras perigosas, ela se aproxima se esgueirando pelas partes iluminadas do sótão até uma estante. A cartola estava ali. A menina pega o chapéu com uma vontade de possuir aquele mistério. Era sua festa de aniversário, e sua mãe havia contratado um mágico. Lúcia que sempre quis ter um coelho ficou espantada quando viu que dentro da cartola do mágico tinha um coelho. Foi por isso que saiu correndo, ansiosa para entrar no sótão o melhor presente que poderia receber de aniversário. E agora como não um coelho ali? Achou aquilo uma injustiça. Tentou tirar a poeira. Tentou balançar aquela velha cartola de seu pai, imaginando que cairia algo de dentro. Nada. Virou dando tapas no tampo e se algum bendito coelho se agarrando lá dentro, de certo se soutaria. e Nadica de nada. Ou aquele bicho era forte, ou alguma coisa estava errada.

Lúcia pensava demais e quando se pensa tanto assim é como se tivesse uma Lúcia dentro de sua própria cabeça. Parecia que ela era duas Lúcias, uma no sótão e outra dentro da cachola. Estava naquele pequenino sótão, inconformada com aquele grande mistério. Lúcia pensava tanto e as vezes de tanto pensar pensava que respirava e tinha de respirar até que esquece-se que pensava respirar e voltasse a respirar sem pensar. e pensava “Onde estaria o coelho?”. É certo que nas cartolas vivem coelhos, pois acabará de ver um agorinha mesmo. Achou um local limpo para se sentar, perdida em seus pensamentos. Coçava a cabeça tentando tirar dali uma solução. Que sentido teria o sumiço do coelho? E talvez, melhor seria perguntar, qual a razão de se viver dentro de uma cartola? Olhava ao redor, imaginando que talvez o coelho estivesse escondido por ali. O sótão parecia maior e mesmo assim nenhum sinal de leporídeo. Foi quando Lúcia ouviu alguem resmungar:

“Você é uma menina ingenua?” Disse uma sombra que vinha em sua direção. Assustada Lúcia não respondeu. Então a sombra continuou:

“A senhorita deve ser Lúcia, fazia tempo que queria te encontrar. Não me reconheces?”

A sombra saiu por detrás de algumas caixas. Era um gato rajado de belos bigodes. O Bichano veio andando calmamente e parou próximo a Janela. Lambeu uma de suas patas delicadamente e aprumou os bigodes. Esse não era o gato de botas, nem o gato-maluco. Era apenas um gato que vivia no sótão a algum tempo. Lúcia não sabia, mas ela era a sua dona. Aquele gato era a esperteza em pessoa - ou a esperteza da pessoa- . Confiante o bichano sempre dizia a si mesmo "meus bigodes são minha astúcia".

“Não te conheço, gatinho, mas já que está por aqui, poderia me dizer onde está o coelho?” disse Lúcia ao Gato.

“Vejamos menina. Você parece não saber como as coisas funcionam-- não é mesmo?” E sem esperar que ela respondesse, deu um pulo até a clarabóia e continuou: “E deve estar aprendendo a pensar agora. Aprenda a viver Lúcia! me diga você! Viu algum coelho por aqui?” Ela abria a boca para responder, quando o gato disse : “Não é claro. Como é que uma cartola fina e dura pode conter um coelho gordo e fofinho?” O gato parou por um instante e ronronou para a menina, apontando para a sombra que a luz da janela fazia sobre o assoalho próximo a Lúcia.

Com as patas, o gato fez a sombra de um coelho, e então transformou-a numa sombra parecida com uma cartola. Tal a expressão facial da menina ia se fazendo desiludida, tal o gato ia aumentando seu sorriso.

“Não a nada nesse mundo que seja mágico de verdade. O que á mágica senão uma sombra?” “Mas eu juro que vi!” disse ela meio sem acreditar naquilo que tinha visto. O gato riu.

Lúcia sentia se uma boboca. Aquela cartola na sua mão era o grande mistério que carregava. Aquele mistério que todos nos carregamos. Era o mistério da existência. Da existência do coelho. E como era pavoroso um coelho sair da daquilo. Era como o Gato tinha dito. Todos os lados e extremidades da cartola eram finos e um coelho é gordinho. A boba tentou colocar a mão no fundo achando que encontraria as orelhas de um coelhinho branco fofinho. Tentou fazer isso de olhos fechado. Quem sabe a mágica só acontece quando não se vê. Se você tenta descobrir o segredo, o coelho, que é um bichinho arisco, não sai da cartola. Lúcia fingia fechar olhos. Pelos vãos dos seus pequenos dedos procurava um coelho. Queria se apoderar do desconhecido.

Uma desilusão pousou sobre Lúcia. É tudo são sombras, são projeções luminosas. Ela ficou em silêncio angustiada com o que o Gato lhe ensinará, sentia uma estranha “sozinhez”. Parecia que aquele sótão estava lentamente crescendo e ela parecia menor. Foi quando um ratinho passou rápido por entre as pernas da menina e escalou a estante de modo a ficar novamente escondido. O Gato quando viu aquilo tentou agarrar-lo. Lúcia no reflexo segurou o gato pelo rabo. O ratinho espiou desconfiado, ainda duvidando que estava vivo.

“Graças! Graças a você Lúcia. Salvaste minha vida.” com as patinhas tocava em seu próprio corpo. Tinha que sentir a sua pele para assegurar que realmente estava vivo. o roedor pulava de felicidade!

“Sr. Rato, me diga porque se arriscou tanto passando perto de um gato se sabia que gatos adoram comer ratos!?” disse Lúcia.

“ Ouça menina, eu acreditava que você me salvaria. E de tanto acreditar, você me salvou, não?”

“Ora Sr. Rato, não entendo. Como se arrisca assim, sem mais nem menos. E se eu estivesse distraída, você decerto estaria da barriga desse Gato, que é uma esperteza só.”

“Lúcia, nos ratos somos assim. Somos meio cegos, e as vezes nos metemos em confusão. Mas eu posso dizer que ainda assim enxergo muito mais que esse Gato. A esperteza desse Gato é muito pior que minha paixão.”

“Explique-se Sr. Rato.” Disse a menina encucada com esse papo maluco do rato. Como pode ser meio cegueta e enxergar?

“Ouça. Quem disse que só se vê com os olhos. Ver não é tudo, Lúcia. Olhe para essa cartola. Ela parece vazia. E se você só olhar com os olhos nunca verá um coelho. Já se você fechar os olhos. Então poderão sair quantos coelhos quiseres dessa cartola. E se não sairés nenhum coelho, ainda poderá abrir os olhos.”

“Não de ouvidos a esses ratos, Lúcia, como dezenas deles por dia. Todos malucos. Sempre têm a fé que algo os salvará.” Disse o gato se colocando de pé. “Vêem o que não existe. Dizem que a vida é paixão.” O gato volto novamente a clarabóia e fitou os olhos de Lúcia, parecia lhe chamar a consciência : “Lúcia, se o Coelho não está dentro da cartola, há pelo menos um Coelho, que um dia saiu de uma cartola, uma Cartola que existe antes de poder ser habitada por coelhos, e que este Coelho é o mistério da existência ou, como diz o Rato, da paixão humana. Que significa então que o Coelho só exite se existirem cartolas? Significa que o Coelho primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só depois entra na cartola. O Coelho, tal como o concebe o Sr. rato, não é existível, é porque primeiramente é nada, e nem se pode vê-lo. E assim a senhorita nunca achará um Coelho. Quer por bem você deseje acreditar nesse Rato maluco, quer por mal prefira ter a consciência mais elevada como a minha. Seria muita presunção ratiana dizer “o Coelho não existe”. Você é estupida e burra.”

“Mas Gato! O Rato disse que eu preciso apenas acreditar. E com você falando assim eu nunca conseguirei acreditar.” A menina se sentiu ofendida pelo gato. Mas só estava com cara de choro porque perdia as esperanças de encontrar o grande mistério do Coelho.

“Lúcia” Disse o rato “Não se importe com isso, acreditando ou não, somos todos marionetes. Seja apenas feliz, e continue procurando os coelhos” Lúcia fez uma careta.

Somos todos marionetes? Como assim? Que sentido teria então a mágica do mágico se somos todos bonecos do mesmo circo?


Foi quando subitamente a menina sentiu que havia cordinhas presas pelo seu corpo. E toda aquela maluquice acontecia dentro de um teatro de marionetes. Indignada ela tentava ver os manipuladores. De um lado tinha um homem bom. Ela sentia isso, ele tinha um sorriso bonito e parecia lhe querer fazer bem, ainda que usasse cordinhas para lhe manipular. Do outro estava um homem mal, tinha uma testa enrugada de tanto franzir-la. Ranzinza aquele homem a tentava manipula-la para vê-la triste. Mas tinha algo estranho. as cordas que saiam da mão do homem Bom vinham do arrogante do Gato. E as cordas do simpático Sr. Rato eram controladas pelo homem Mal. Lúcia viu também que os dois a controlavam.

O sótão estava enorme, e ela se sentia minuscula - do tamanho de uma boneca de cordas- e quanto mais ela pensava mais as paredes do sótão iam se expandindo.

"Ei vocês dois ai em cima! Me digam como o Coelho sai da cartola, se é que existe coelho e cartolas? " Gritou a menina.

O homem bom fingiu não ouvir.

O homem mal olhou para ela e sorriu: “Se quiser que eu lhe tire um coelho da cartola, eu lhe tirarei. Mas o segredo eu nunca lhe contarei!”

Lúcia! Lúcia! Lúcia! Então ouvindo que alguem a chamava parou, por um segundo, de pensar. Sua mãe lhe chamava á porta.

"Lúcia! venha ver o presente que sua tia-avó lhe trouxe"

Foi que ela se lembrou que aquilo era sua festa de aniversário e que sua mãe contratará também um teatrinho de marionetes. E ela estava ali sentada de perninha de índio assistindo ao espetáculo.

E tudo aquilo não passava de uma história, e o grande mistério não passava uma história. As vezes os gatos que são a esperteza, a racionalidade, aparecem nas nossas histórias. E os ratos que são pura fé e maluquice também vivem querendo fazer algo doido nas nossas histórias. E de vez em quando também pode se ouvir um homem Bom dizendo “Não faça isso da sua vida” e um homem Mal dizendo “Faça tudo que quiser da vida, e queria tudo que não puder querer”. Mas no fim tudo não passa de uma historinha dentro da caixola do nosso sótão. E a vida é um espetáculo que nos encenamos para nos mesmos assistirmos. É bom que nunca deixemos os gatos comerem os ratos. Pelo menos não todos os ratos, porque sem ratos o Gato também morre.


Um dia pergunte a Lúcia e ela te responderá as coisas malucas que acontecem nesse sótão.