“Tenho-me esforçado por não rir das ações humanas, por não deplorá-las nem odiá-las, mas por compreendê-las.”
Bento de Espinosa. Filosofo

"rapadura é doce mas, no entanto, não é soft and crispy"

Francisco Bruza Espinosa , Desbravador da Bahia
"Olá Leitores, Muitissimo Boa Noite, Tarde ou Manhã. Vamos dar inicio a nosso teatro de palavras, Motivados pelo nada e patrocinados pelo tudo, inclusive por sua Tia."

Tenham um bom voo

Lucas Et Cetera Proa


Magalomania é um transtorno psicológico no qual o doente tem ilusões de ser Sidney Magal, em carne e osso!

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Craque da bola na bola Mundo.

Nasceu em um barraco, próximo ao córrego Nsa da Beleza. As paredes de maderite roxas resistiram a algumas inundações e incêndios. Seu pai pedreiro entendia bem sobre remendos em compensados de madeira. Sua mãe faxineira não deixava a casa ficar com o mesmo cheiro do córrego, e o chão mesmo que fosse de terra batida nunca estava sujo. Ele não chegou a conhecer a pobreza. Ou pelo menos não teve consciência dela. Vandeco nasceu com aquilo, coisa que só uma genética multicultural poderia dar. O samba do crioulo doido e o ziriguidum fizeram dos pé daquele menino obras de arte. Aos 5 anos de idade já chapelava. Aos seis estava jogando pelo time da rua e coloca a bola onde quisesse . Com nove anos era a estrela do campeonato nacional de futebol infantil. - Garoto prodígio, marca 5 na final – A família deu apoio. Valdecir deixava de trabalhar para levar o filho no treino. Tiveram sorte por conseguir um empresário honesto. Na verdade, o empresário teve mais sorte que eles. Estava ganhando uma nota preta com o pretinho do Vandeco. Nessa época todos já sabiam: O moleque ia estourar. Estourou. Contratado com o Real Madrid aos 13.

Vandeco continuou no Brasil emprestado ao Corinthians. Trampolim para a fama. Tinha mais entrevistas que treinos táticos. Comparações inevitáveis “será o novo Pelé?” .Vandeco humilde falava pouco. Deixavam que as pessoas falassem por ele. Também era assim com as mulheres. Namorou supermodelos. Não era um grande conquistador, mas seu talento conquistava. Tudo que ele falasse parecia interessante. Pessoas aplaudiam sua humildade, como também aplaudiriam se fosse arrogante e arrojado. Porque elas aplaudiam o seu Dom com a bola nos pés. O resto era conseqüência. Eram autógrafos, eram Gols.

Comprou casa de luxo para a família. Quando a imprensa o perguntava sobre isso respondia humilde : “Família em primeiro lugar”. Eles aplaudiam. Foi chamado para fazer comercias. Seu sorriso vendia milhões. Valia uma Cayenne.

Ele ainda era uma criança por dentro, mas já começava a entender o mundo. O mundo redondo, como a bola. Que ele não dominava com igual facilidade. Pessoas vinham atrás dele, queriam um pedaço dele. -Por favor, me vê uma picanha Vandeco!- Um frigorífico usou a imagem dele para vender mais. Ele ainda era uma criança, mas entedia que o mundo era redondo. Que as pessoas vinham atrás dele por interesse. O pessoal da Nsa da Beleza o ligava para convidar para churrascos, batizados e casamentos. Pura falsidade, o que eles queriam mesmo eram empregos. Queriam fama. Queriam estar perto do novo astro do futebol nacional.- Joguei bola com Vandeco- falavam orgulhosos. - Um dia dei um drible nele.- Orgulhosos.

*

Agora ele está ali. Penalty de final de libertadores. O estádio inteiro gritando VANDECO. A euforia era completa. Vandeco já sentira aquilo muitas vezes, e muitas vezes bateu penaltys e muitas vezes fez o gol decisivo. Era ele e sua melhor amiga. A bola. Gramado todo regular, e as luzes do estádio faziam o verde brilhar. Apesar de todo som da torcida, dentro da sua cabeça Vandeco mantinha um absoluto silêncio. Como só os craques conseguem. Correu para a bola, e no meio do caminho pensou em sua vida. Pensou na bola entrando no Gol, e pensou na gritaria. Chutou confiante, afinal ele era o craque.


A bola passou à metros do gol, e um silêncio infernal berrou em seu ouvido. Aquilo não podia estar acontecendo. Perdemos a libertadores. Por culpa do, até agora pouco, craque. Os xingamentos demoram o tempo necessário para que o público tirasse ele do patamar de craque para o patamar de estúpido. “Minha Vó faria esse gol” Gritou um gordo, redondo como uma bola. Foi tudo que Vandeco conseguiu ouvir. Foram apenas alguns segundos de silêncio. O garoto correu para os vestiários, empurrando a imprensa e chutando câmeras-man. Um fotógrafo conseguiu capturar as lágrimas do rosto do menino. A foto estaria no jornal de amanhã, com o subtítulo “ Craque?”.

Entrou na sua Cayenne e saiu o mais rápido do estádio. Mas não rápido o suficiente para que alguns torcedores conseguissem chutar o seu carro. Arranharam toda a lateral direita do carro importado, mas Vandeco não conseguia prestar atenção nisso. Dirigindo o carro sem saber para onde iria, a mente dele também não sabia quais as desculpas que ele deveria inventar para se auto compadecer. Fracasso era tudo que ele ouvia. Vandeco não sabia lidar com o desprezo, Vandeco não era um menino da favela. Ele nem sequer lembrava que era preto. O que ele não imaginava ainda era que amanhã ligariam para ele para cancelar contratos publicitários, que o pessoal do córrego da beleza ligaria para ele xingando. “filho-da-puta”.

E menino também não sabia que depois de amanhã tudo voltaria ao normal. Que todos esqueceriam daquilo. E ele voltaria a ser O Craque. Voltaria a fechar contratos e a ser convidado para ser padrinho de casamento. Agora tudo parecia estranho para a criança, mas ele era esperto e na próxima semana já teria entendido como a bola Mundo rolava. Rolava do amor ao ódio . E como a paixão poderia acabar facilmente como um apito de final de jogo. E como voltava igual um apito do início da partida. Vandeco só precisaria deixa a bola rolar.

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