“Tenho-me esforçado por não rir das ações humanas, por não deplorá-las nem odiá-las, mas por compreendê-las.”
Bento de Espinosa. Filosofo

"rapadura é doce mas, no entanto, não é soft and crispy"

Francisco Bruza Espinosa , Desbravador da Bahia
"Olá Leitores, Muitissimo Boa Noite, Tarde ou Manhã. Vamos dar inicio a nosso teatro de palavras, Motivados pelo nada e patrocinados pelo tudo, inclusive por sua Tia."

Tenham um bom voo

Lucas Et Cetera Proa


Magalomania é um transtorno psicológico no qual o doente tem ilusões de ser Sidney Magal, em carne e osso!

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O Roubo da Rosa

Madeira compensada coberta por fórmica rosa, uma escrivaninha. Sobre ela uma folha de sulfite desenhada a traços infantis com giz de cera colorido, ao lado uma caixa de lápis cheia, todos com ponta quebrada. A Magnum de cano longo, com 3 balas no tambor e uma na agulha, brilhava. A luminária dava parcial tom de amarelo ao quarto escuro. Ele estava sentado, olhando ora para o desenho, ora para a arma. Pensando na morte, dele ou dela ou de sí. Estavam faltando duas balas e a arma estava engatilhada, ele achou que talvez fosse a hora.
Após um berro de angustia, lança o copo de Johnny-on-the-Rocks contra a parede. Na trajetória parte da bebida escapa do copo e vem de encontro ao seu olho. Os estilhaços do vidro caem sobre o carpete, e a bebida escorre pelo papel de parede com motivos de ursinhos. Como num teste psicotécnico, ele enxerga no borrão de álcool dourado a imagem de um coração despedaçado.
Quando não se sabe o que é futuro e o que é passado tudo fica presente. Podia sentir a cena acontecendo novamente. Um filme mental, de Sara tomando um tiro. Foi sem querer, eu juro. Perdoe-me filha, Papai te ama. Papai te ama muito. A cena acontecia de novo ou ainda viria a acontecer?

Ele sou eu, e eu não sei quem sou. Isso foi ontem, hoje eu estou empunhando a arma, dirigindo meu carro indo para casa de Ana. Ana é a mãe de Sara. O ponteiro está marcando mais de 150 e eu vejo vultos de postes de luz passando em forma de reflexos sobre o parabrisas. Com uma mão seguro o volante e com outra uso a ponta da Magnum para mudar as estações de rádio. Soul-music dos anos 60, Aretha Franklin sussurra gritos que acalmam a alma dele. São duas da madrugada e os semáforos vermelhos agora parecem como sugestões. Pare ou será tarde. Manter linha reta era difícil, mas por outro lado fazer curvas derrapando era prazeroso.

-Ana, eu te amo.
-Você não pode me largar assim.
-Eu vou me tratar.
- Isso é só uma fase.
-Você não vai ficar com Sara.
-Minha filha é tudo que eu tenho.
-Te pago o quanto você quiser.

Foi o que disse quando a mulher foi embora de casa, levando sua filha. Minha Filha.

O roubo da Rosa. Não há pecado em retirar uma flor de um jardim. Mas até que ponto a beleza do vermelho delicado, vale os cortes do espinho? Se bem que no fundo tudo é vermelho: a pétala, o sangue, o coração.

As luzes de minha casa estão acesas e eu acabo de chegar do trabalho, estou cansado e quero tomar um whiskey para relaxar. Abro a porta e parece que entro dentro do inferno, Ana vem pra cima de mim gritando. O que os vizinhos vão pensar disso? Eu fecho a porta e tento fugir dos tapas dela. Permaneço quieto e vou de encontro ao destilado, ela está me perseguindo e me batendo. Ana não é real. Porque isso foi ontem. ou vai ser amanhã? Ainda consigo lembrar dos escândalos de Ana e de tudo que a coitadinha da minha princesa era obrigada a ouvir. Os gritos não são de Ana, são meus.

Hoje Ana é casada com um Alcoólatra. Outro alcoólatra, as vezes parecem que as mulheres gostam de insistir no mesmo erro. Só posso ver minha filha nos finais de semana, e hoje é sábado. A mãe dela acabou de chegar pra deixar a menina comigo. Hoje eu e Sara vamos ao parque e vamos tomar sorvete e vamos assistir Bob Esponja juntos. Faz dois anos que eu e Ana nos separamos por incompatibilidades de genes, eu bebia destilados e ela apenas água, para fazer o Vallium descer pela garganta. Eu parei de beber desde então para convencer o juiz a me dar a guarda da Flor. É mentira eu tenho um cantil escondido sob o banco de passagueiros.

Minha rosa tem 8 anos, e não quer que eu de banho nela hoje. Semana passada ela ainda deixava, eu me lembro, eu enchia a banheira e colocava alguns brinquedos para ela, fazia espumar e brincávamos de guerrinha de agua. Ela não acreditou quando eu comprei uma arma. Uma arminha de água para ela e uma para mim. Disse assim

- Agora, Flor, você subirá de patente nessa guerra. Será chamada Capitã Flores e como prêmio receberá sua primeira arma.

Vocês adorariam ter visto o sorriso dela. Ela não acreditou quando me viu com a arma na mão, essa não era a de água. Ela até sorriu no começo, mas quando percebeu que eu gritava com o seu padrasto ela aprendeu que aquela não era uma arma de brincadeirinha.

Depois do parque ela foi tomar banho e não quis brincadeira com água. Disse que já era menina crescidinha e não queria que eu à visse tomando banho. Eu concordei, ela realmente estava ficando grandinha. Na realidade ela ainda era um bebê para mim. Eu lembro dela pequenininha, um botão de rosa, linda demais dos olhos amarelos e do cabelo preto, bem preto. Eu fui meio que a contra-gosto, assistir Tv. Então me lembrei que não tinha toalha para ela se secar. Seria minha desculpa para poder ir até o banheiro, peguei a toalha da Minnie e senti o cheirinho de minha filha.

Guardo até hoje essa toalha, nunca mais a lavei. Mesmo assim, cada dia menos lembro do perfume da rosa.

Eram duas da manhã, e ele estava acordado conversando com Ana. Eles discutiam, sobre Sara. Ele não era eu, até mas parecia. Estava bebado, mas tomava vinho, eu nunca tomo vinho. Só Johnny. Red, vermelho como a rosa. Eu entro na casa e ali não parecia o inferno, era o céu. O céu de Sara. Dei um soco na cara dele, na foto com a cara dele, pendurada na parede como um quadro da família perfeita. A Arma na cintura apertava minha virilha.

-Filho da puta

Ela acordou e me viu com a arma. Era o céu.

Entrei no banho para levar a toalha, e a água era vermelha. Porque você não me contou isso? Ele disse que te matava, te ameaçou. Filho da puta. Nesse dia eu tive medo de deixar Ana pegar minha filha, domingo anoite ela vinha comprir o mandato do juiz. Aquele padrasto sujo era amigo do juiz. Na hora que soltei sua mão para deixa-la ir com a mãe, eu vi seu sorriso amarelo. Pensei se era um sorriso de medo. Mas não sei se o medo era meu ou dela.

Quando você para pra pensar! É melhor deixar ir, hoje, para poder ir, amanhã. Eu deixei ela voltar com Ana para poder comprar a arma, e atirar e matar. Premeditado. Tem um ditado que diz

-A vida é curta.

Eu dei o tiro no Filho-da-puta. Acordar de ressaca no outro dia é a dor que eu quero sentir para poder esconder-me nela. Você não sabe mais quem é você, tudo que a culpa faz é te trazer para o passado. Ontem eu matei. Ele matou, e quem é ele, eu sempre me esqueço. Eu.

Eu xingava ele, estuprador, e Ana gritava. Ela sabe? Não queria que Ana soubesse, eu não queria saber. Sabe como é duro você ter que fazer cara de atencioso com sua filha para que ela conte pra você que foi estrupada. Ela não sabia nem o que era aquilo.

Disparei duas vezes, mas a segunda bala voou da minha mão de aço inoxidável reluzente e um anjo com mãos delicadas conduziu-a à testa da princesa do meu castelo. Ela começou a cair lentamente, escorregando sobre os braços de um querubim. Ele a abraçou e falou para ela algumas palavra no ouvido da criança. A língua dos anjos. Suas asas rasgaram o terno branco e ele a levou.

A rosa ao chegar do outono perde as pétalas. Todas as pétalas voam quando começa a brisa do inverno.

Estava ali mais próximo do céu. As crianças tem lugar garantido sobre as nuvens. Um paraíso de doces onde toda casa tem um parquinho. Eu contava isso quando lhe colocava para dormir. Deus leva primeiro as crianças despedaçadas. Ele também se sente culpado como eu me sinto. Ele colocou ela nessa terra, arrependido de não te-la guardado, segura de tudo. Brincaria com ela todos os dias da eternidade.

No fundo mesmo, eu sei que estou aqui diante do tribunal. Acusado do assassinato, perante o Juiz fazendo a minha defesa. Mas eu não tenho defesa. A insanidade foi a única saída, vocês não querem saber como é matar a própria filha. Eu olhava para os jurados. Alguns dos jurados choravam. Eles me entendiam.

Eu estou na escrivaninha de fórmica rosa e queria sair dali. Os corpos mortos na sala e eu estou sentado no quarto de Sara. Tinha que encontrar minha filha de novo. As luzes da sirene da viatura passavam pela a janela iluminando o papel de parede de cores azul e vermelha. Eu estava com a arma na cabeça. Eu tentei apertar o gatilho. Mas eu tive medo. Merecia penar mais um pouco nessa terra. Era justo assim. Minha arma emperrou. E outra arma se encostou na minha nuca. Parado.

Eu matei o padrasto, um tiro direto no peito dele, e errei o segundo tiro aquele acertou Sara. Eu olho para o Juiz faço uma arma com a mão, miro na testa dele e dou um tiro de mentirinha. Pum! Pum! Faço as onomatopéias cuspindo na cara do Juiz, amigo do padrasto. Foi naquela casa que nos trés morremos. A rosa, o louco e a serpente. Mas Deus tem um lugar no céus para os loucos. Foram os únicos que realmente entenderam o mundo.

Estou na minha escrivaninha. Isso vai acontecer? Ou já aconteceu? Olho para a Magnum. Tem 6 balas no tambor.

8 comentários:

Fernanda Beziaco disse...

embasbacada...

Beka disse...

Nossaaa
Adorei o texto!.
muito massa..
ate li duas vezes pra entender melhor.rs
Parabenss..
Bjoo
Bekaa!!

Maíra disse...

li varias vezes. Quero ouvir voce falar do texto depois !

os espaços entre os paragrafos parecem que são os espaços do tempo dele, real ou não real . o pensamento dele não para, ou o que ele ta vendo não para.. e os espaços sao os tempos silenciosos de respiração que ele deu nos intervalos dos acontecimentos . intervalos pra viajar no tempo, pra imaginar tudo isso ou relembrando tudo ... não sei explicar direito a sensação que me deu ...


Incrivel, Lucas !
sabe o que me fez lembrar ? efeito borboleta .

Reinaldo disse...

Muito bom, Magal! Mas queria ter lido antes de vc me contar a história, pra ter a reação "original".
Abraço

A disse...

Very nice pra xuxu!

Allan Krom (Bixo Louco) disse...

Magalicious se superando a texto!

Matheus T, disse...

Lucas!
ótimo o texto! Muito bom, além de tudo ganhou mais um leitor!
Escreves bem, sem dúvida causou alguma reação em todos os leitores, inclusive em mim!

Carol Costa disse...

ADOREI ! Mesmo.
Você escreve muito bem.
beijos ! Carol(prédio)

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