“Tenho-me esforçado por não rir das ações humanas, por não deplorá-las nem odiá-las, mas por compreendê-las.”
Bento de Espinosa. Filosofo

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Francisco Bruza Espinosa , Desbravador da Bahia
"Olá Leitores, Muitissimo Boa Noite, Tarde ou Manhã. Vamos dar inicio a nosso teatro de palavras, Motivados pelo nada e patrocinados pelo tudo, inclusive por sua Tia."

Tenham um bom voo

Lucas Et Cetera Proa


Magalomania é um transtorno psicológico no qual o doente tem ilusões de ser Sidney Magal, em carne e osso!

segunda-feira, 1 de junho de 2009

A Marca da Mordida 2/3

Totó continuou me dando indícios e outras tantas provas da minha canilidade. Era demais pra minha mente, tentei me debater com as idéias, mas a verdade é algo poderoso. A verdade sempre parece mentira, mas você pode sentir que é verdade, pode cheirar que é verdade, pode ouvir que é verdade, pode degustar que é verdade. Minha crise de identidade foi inevitável, e durante alguns dias evitei qualquer contato com Totó, pois ele colocava tudo em xeque. Mamãe até achou que eu estava doente. E adivinha pra onde ela me levou?! Pro veterinário - Como eu era cego, eles haviam conseguido me iludir durante tanto tempo - .O Doutor venho medir minha febre. Tinha um Baita termômetro. Foi a gota d`agua, e se você sabe como se mede febre de cachorro, eu nem preciso explicar porque.-Questão de dignidade.- Caindo por terra todo meu mundo, minhas ansiedades eram ânsias. Fiquei marejado. Vomitei.


Acordei numa gaiola nos fundos da clinica veterinária. E ali fiquei por uma semana. Sozinho. Os médicos me alimentavam, e eu alimentava minha ira. O sistema era corrompido, era tudo um teatro de fantoches, e eu mais boneco. Não pensava, eles pensavam por mim. Por isso eu não era eu , eu era eles. Me assumi como cão.


Voltei pra casa. E só a muito custo comia aquela porcaria da ração. Tinha nojo da minha mediócre casinha, construída pelo retardado do Renato – meu “irmão”- que comecei a dormi no quintal. Não aguentava mais as fantasias ridículas que Edna insistia em me vestir. Ela veio com uma roupinha de Meninas Super Poderosas, pra tentar me animar. Rosnei. Ela tentou dinovo. Mordi. Ela deu um berro. E veio pra cima de mim com a vassoura. Eu encarei. Ela fraquejou e não teve coragem de me bater. E o gosto de sangue mais se parecia com o sabor da vingança. Ser Cão era bom, e isso era ser feliz.


Totó me ensinou muita coisa, sobre as ruas, sobre a liberdade, sobre a comida de verdade, -que não era igual essa porcaria de ração- e Sobre a Revolução dos Cães. Era um movimento de contracultura aos homens, eles reivindicavam o fim do escravismo sobre os cachorros. Grandes cães lideravam os cachorros do mundo todo. Uma extensa bibliografia discutia as ideias da revolução , “O Império Kão-Germânico e a Revolução Cãocial” , “Cão e o Estado” e o Clássico “O Cãopital”. O sentimento revolucionário começou a tomar conta. A conjuntural social de escravidão do cão pelo homem era lastimável, e eu não podia ficar calado enquanto tantos outros companheiros tem suas vidas falsas, manipuladas e usurpadas. Vendo minha decisão, de me juntar ao movimento, Totó me apresentou ao UIVO. O braço armado da revolução.


Tive de sair de casa para seguir minha jornada revolucionária. O QG era num beco no centro da cidade que , entre latas de lixo e caçamba, o UIVO se reunia. Na minha iniciação, fui todo mordido pelos outros membros, com o intuito que adquirisse Raiva. Estava em ecstasy, achei o máximo sentir a Raiva, tudo ali era tão Cão, tão Caótico. Jurei nunca delatar o movimento, sob pena de morte. Todos ali eram politizados e tinham visão de mundo, amam o status quo de ser Cachorro. Ele viviam pela causa, ou pelo menos essa foi a minha impressão. Ali sim eu poderia mudar o mundo.


O treinamento logo começou. Centenas de cães, babando, mordendo uns aos outros – Não basta apenas saber como atacar os homens. Tínhamos que nos preparar para enfrentar muitos “Cães-gente”, que eram leais aos seus manipuladores.- Virei um verdadeiro assassino. A Raiva dominava minha mente, em sangue era tudo que pensava. Tinha sonhos em que decapitava homens. Jorrava sangue e era bom. E era feliz. E era determinado, logo subi na hierarquia. A vida de mentiras de comer e dormir dava lugar a uma vida de cão. Dava lugar a um “viva la Revolucion”

Mordi muita gente. Os ataques do UIVO ocorriam dia sim dia não, mas não tínhamos nenhum plano revolucionário. Mordíamos apenas para conseguir sangue. Todos ali se viciaram nisso. Eu me viciei. Ouve muitas vezes que na falta de sangue humano ou de gato, mordíamos uns aos outros.

Mas não era só sangue. O lixo também era uma devoção comum do UIVO. É a melhor comida que qualquer cachorro já comeu, da uma sensação “Dono-do-mundo”, só não experimente comer durante uma semana seguida. Você defeca sangue e fezes como um condenado, como aconteceu muitas vezes comigo. O pior de tudo é que muitos viciados comiam as fezes ensanguentadas. Comia lixo adoidado, só tinha que torcer para não ter um pedaço de vidro no meio, seria, na certa, um adeus a causa canina.


Nós só tínhamos um medo. Carrocinha. Já havia levado muitos dos nossos, e quem ia não voltava. Virava sabão. Eu quase virei. O Uivo foi assaltar uma padaria, íamos lá toda semana. Para roubar todos os frango-assado. Chegando já começamos a pular na televisão-de-cachorro para que ela tombasse. Quando ela já estava quase virando, eu, de relance, olhei para o lado e lá estava. A carrocinha. Se eu tivesse avisado os outros companheiros , não teria conseguido escapar. Apenas corri. Os que ficaram deram a vida pelo UIVO. E iriam para o céu canino. A recompensa aos corajosos.


As brigas internas eram comuns. A principal discórdia era como, com a revolução instaurada, trataríamos os humanos ; Matando ou Escravizando. Eu era devoto dos matadores, o porta-vozes deles, para falar a verdade, e por isso entrei em muitas rinchas. As marcas das mordidas ainda estão em toda parte do meu corpo. Era assim que resolvíamos assuntos importantes entre cães. Apesar de tudo isso era a vida boa. Sentia a adrenalina de ser Cão.

Foi numa dessas rinchas que o bicho pegou. Havia virado varias noites sem dormir atrás de lixo e sangue. Estava magro e fraco, mas rincha é rincha e os cães atacavam sem dó. Já não sentia bem as coisas. Alucinei.

2 comentários:

Maíra disse...

Ele voltou a ser o que sempre foi...
um animal, com instinto, em bando, sendo treinado pra ser o melhor da especie..pq se nao for, nao sobrevive na selva de pedra..

como um leão na floresta caçando gnu.. mas ele é um cachorro, na cidade, comendo lixo..

no começo fiquei triste. Depois nao mais.

Só espero que Totó nao tenha feito isso somente pra tirar ele de casa...

Itali disse...

hauhauah estou curiosa em ler a parte 3/3, vai ser meio dificil fazer um final bom como o inicio e o meio uahau

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