“Tenho-me esforçado por não rir das ações humanas, por não deplorá-las nem odiá-las, mas por compreendê-las.”
Bento de Espinosa. Filosofo

"rapadura é doce mas, no entanto, não é soft and crispy"

Francisco Bruza Espinosa , Desbravador da Bahia
"Olá Leitores, Muitissimo Boa Noite, Tarde ou Manhã. Vamos dar inicio a nosso teatro de palavras, Motivados pelo nada e patrocinados pelo tudo, inclusive por sua Tia."

Tenham um bom voo

Lucas Et Cetera Proa


Magalomania é um transtorno psicológico no qual o doente tem ilusões de ser Sidney Magal, em carne e osso!

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Cômodo vazio.

“A Primeira foi Elisa e eu nunca esqueci. Fiquei feito bobo, apaixonado, por meses. Dizem que a primeira não se esquece e eu não esqueci, mas não lembro muita coisa. Depois teve a Roberta. A Angela. E venho a faculdade, a partir dai eu perdi a conta. Então fui trabalhar e toda semana tinha uma. Mas sempre tem aquela.”

Um homem entra ansioso em casa. Ele, Médico de trinta e poucos anos, estava chegando do plantão na Zona Sul. Era feriadao no Rio, pagam melhor. É claro, todos os casados querem ficar com a família. Ele vai tirando os sapatos. Um par tira o outro, quase automático. Tem todos seus movimentos calculados para levá-lo em alguns segundos ao completo conforto. A saber, esparramado no sofá, sem camisa com um prato de comida na mão. Em procissão, foi do banheiro a cozinha, da cozinha a sala e da sala de novo a cozinha, voltando então a sala. Tudo com o controle na mão, incessantemente, mudando os canais. A sala à meia luz piscava refletindo as cores da TV. Solteiro convicto, Antunes estava feliz e até empolgado. Nada de novo, apenas apreciando a boa vida livre. Tinha uma enfermeira nova no hospital de botafogo que era uma graça. Vinte e seis anos, bronzeada e o melhor de tudo, era a típica maria-estetoscópio. Marcou um chopp com ela escrevendo algumas sacanagens no prontuario de um paciente que ela acompanhava junto a ele, sairia em algumas horas e provavelmente voltaria já de manhã. Mas ali esticado de frente ao aparelho luminoso parecia ter desligado-se de qualquer pensamento. Sintonizado no completo vazio. A sua saída da rotina também era rotina.

Ele só se deu conta disso quando a TV subitamente desligou.

“Eu aqui sentado olhando pra ela e penso em toda aquela baboseira de o tempo parar. Lembro de como o meu dia foi nada, e de como todos os meus dias tem sido TUDO. Tudo uma grande repetição de nadas. Agora vem ela e estraga toda a fantasia. Descobre a minha mediocridade, com um olhar. Eu permaneço forte, nada me abala. E o tempo para, a meu contragosto. ”

Frustrado na tentativa de religá-la, o homem se sente inquieto. A imposição de ficar sozinho naquele apartamento parecia perturbadora. À sua própria companhia, ele prefere um uísque. O amora era elaborado e a coloração perfeita, 18 anos de repouso. Ainda assim toda a paciência da fermentação se traduzia em rápidos tragos, secos e necessitados. Quase inconscientemente, ele foi atraído a varanda. Levando o copo e a garrafa. Fumava raramente, mas também levou consigo um maço que guardava para emergências, caso alguém morresse ou alguma convidada fizesse questão daquele cigarrinho pós noite. Encostou-se no parapeito junto ao seu kit. A samambaia seca, o banquinho empenado pela maresia e alguns ornamentos de nova era empoeirados marcavam o desuso da varanda. Um comodo esquecido.

“Eu tinha me esquecido. As vezes a vida toma outros ventos. Segue um caminho de encontro a foz de sí mesma, e nadar contra corrente é negar a sí, e isso não é da minha pessoa. Pra mim, é difícil lembrar dela. Desde sei lá quando. Não foi de repente, foi aos poucos, foi nessa varanda. Foi vendo meu passado passar. Era como se a juventude também passasse. Foi ai! E então eu descobri, era ELA.”

Depois de algumas puxadas no cigarro que ele viu. Era a praia de Ipanema em fim-de-por-do-sol carioca e os seus olhos já estavam hipnotizados. Aquela varanda, desejo de muita gente, ele ignorava a sua existência. Mais de ano que ele não abria aquela cortina. Por um segundo se sentiu dono de tudo aquilo. As cores no céu desfilavam uma paleta única. O contraste do tímido raio de sol com os postes de iluminação da praia davam um tom aurifico. Dourado bossa, brilhante como novela das oito. Os cariocas saindo do expediente encostavam o carro pelas ruas do bairro e iam parar em quiosques a beira mar. Uns tomam cerveja, outros jogavam futebol. Dava pra ouvir uma roda de samba que elegantemente tocavam a velha guarda . A Praia ignorava a existência dele.

Ele viu ela.

“E esse homem sou eu, e eu nem me reconheço mais. Faz um tempo que ela tinha sido minha namorada. Devia ter meus 26 anos. Achava que a vida era uma grande aventura. Ela era mais velha. Logo fomos morar juntos. Ela levou o piano herdado do avô para o nosso apartamento. Tocava Cool Jazz e Beatles. Também tinha seus momentos mais joplianos. Era uma aventura pra mim e quando eu me cansei eu fui buscar outra. Eu nem parei pra pensar. Não pensei como eu gostaria daqueles cabelos castanhos descoloridos pelo sol. Do sorriso largo e da gargalhada horrorosa que ela tinha. Ela se vestia sem drama, usava camisetas velhas. Gostava de todas as cores, mas se queria me impressionar usava vermelho. E se queria me impressionar muito usava preto. Sabia quando eu queria falar algo. Queria mudar o mundo, mas tinha preguiça.”

Ele passa os olhos e encontra um rosto conhecido. Ela ainda conservava aquilo. Um brilho, um toque. Parada no semáforo parecia estar ali esperando alguém. Ele? . E como num antigo clichê ela o encara nos olhos. Acena para ele. Ele imaginou que ela acenava para ele. Então ele vai na direção dela. E a abraça. Mas ele não é ele. Aquele é o marido dela. Forte ele se vira de costas para a praia. De fora ele vê um violão próximo ao sofá, ele o busca e se senta no banquinho. Dedilha algumas notas. Contrariado volta-se novamente para a praia, esperando intimamente encontrar ela. Ela não esta mais lá.

O telefone celular toca. Ele olha o número – Era ela.

“Não sei porque, mas por um segundo eu exitei em atender. O aparelho parou de tocar e eu ainda olhava para ele. Ela tinha me visto, ela tinha um carinho por mim. Mas não se pode mudar o passado. Eu errei e o sonho já estava borrado. Mesmo eu querendo falar com ela, não teria coragem. Não queria que ela me visse assim. Bitolado. Não tinha mais aquela vida. Aos 26 queria viajar e montar uma banda, queria viver a vida e queria usar a vida como uma droga. Gastá-la. Desperdiçá-la. Pensava que assim era que se vivia. Hoje eu comparo qual é o melhor seguro-previdência .Melhor pensar que o grande amor foi apenas uma ligação perdida.”

O homem fica um tempo olhando para o celular. Uma nova ligação aparece no visor. Era a enfermeira. Falou algumas palavras no celular. “Já to chegando” ou algo assim. Ele estava atrasado. Colocou uma roupa e quando estava para sair reparou que a TV já estava funcionando há muito tempo. Ele desligou a TV e saiu.

3 comentários:

Anônimo disse...

seu melhor texto...sem dúvida alguma.

Anônimo disse...

Tb adorei! Muito bom!

Stéphanie disse...

Adorei Lucas,
vc escreve muito bem =)

ei me encontrei nessa frase

"Queria mudar o mundo, mas tinha preguiça.”

minha cara!

beijao
Sté

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